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Progressão de Regime no Crime Hediondo

Atualizado: 20 de fev.



1 Introdução


O termo crime hediondo foi introduzido de forma inédita pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso XLIII e teve como grande finalidade conferir um tratamento mais rigoroso aos delitos impregnados de maior repulsa social. Eis o preconizado pelo supracitado dispositivo constitucional:


A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (art. 5º, XLIII, da CF).

Observem que a Constituição Federal determina ao legislador ordinário a indicação de quais infrações penais serão catalogadas nesse seleto grupo dos crimes hediondos. Essa imposição constitucional endereçada ao legislador ordinário tem por escopo resguardar de forma eficiente determinados bens jurídicos. Tal obrigação oriunda do Poder Constituinte Originário é denominada de mandado de criminalização. Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, integrante do Supremo Tribunal Federal, “a Constituição de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, que não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, §4º). Em todas essas normas é possível identificar um mandado de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos1.”


Dessa forma, é correto dizer que foi a própria Constituição Federal a responsável por restringir alguns direitos aos apenados por essas condutas delituosas mais gravosas, proibindo expressamente a concessão de fiança, assim como a graça e a anistia.


2 Sistemas de Classificação dos Crimes Hediondos


SISTEMA LEGAL – De acordo com esse sistema, a missão de catalogar determinado crime como hediondo é exclusiva do legislador. De tal sorte, é crime hediondo aquele definido como tal pela lei. O legislador quando etiqueta determinado delito como hediondo o faz levando em conta a gravidade abstrata do delito. Por esse sistema, o rol dos crimes hediondos é taxativo (numerus clausus), não admitindo qualquer ampliação divergente do texto legal. A grande vantagem desse sistema reside exatamente na segurança jurídica, pois apenas e tão somente os crimes expressamente descritos em lei como hediondos podem sofrer os rigores dessa categoria de delitos. A crítica desse sistema, por sua vez, recai sobre a impossibilidade de o magistrado considerar as peculiaridades do caso concreto para rotular um crime como hediondo. Vale dizer, ainda que o agente seja causador de imensa repulsa social com a sua conduta ilícita, se o crime não for catalogado como hediondo em lei, o magistrado não pode considerá-lo como hediondo.


SISTEMA JUDICIAL – A aferição de determinado crime como hediondo é feita pelo magistrado à luz do caso concreto. Assim, ao julgador é conferida o papel de etiquetar determinada conduta criminosa como hedionda, com base na gravidade concreta do comportamento ilícito. Esse sistema sofre severas críticas, porquanto pode causar enorme insegurança jurídica ao alargar em demasia o campo discricionário de atuação do magistrado e, notadamente, por malferir o princípio da taxatividade.


SISTEMA MISTO - Esse sistema mescla os dois sistemas antecedentes. O diploma legal estabelece um rol exemplificativo (numerus apertus) dos crimes hediondos, podendo o magistrado reconhecer como hediondo outros delitos não descritos nessa relação apresentada pelo legislador. O legislador estipula alguns crimes hediondos e também fixa um conceito genérico de crime hediondo, cabendo ao magistrado catalogar determinada conduta como hedionda com fundamento nessas premissas conceituais previstas em lei, ou seja, estamos diante de uma hipótese de interpretação analógica (intra legem). Esse sistema também não está imune às críticas, sobretudo por não resolver a questão atinente à segurança jurídica ante a ausência de um claro critério objetivo acerca da conceituação de crime hediondo.


E qual foi o critério adotado pela Brasil?


Adotamos o sistema legal. A lei federal de nº 8.072/90 foi incumbida de regulamentar o tema, indicando o rol taxativo dos crimes hediondos, mas absteve-se de apresentar um conceito legal do que seria crimes hediondos. Vale dizer, não existe na lei nenhuma definição científica sobre o delito hediondo, mas apenas a indicação dos tipos penais merecedores dos rigores da hediondez. A infração penal não constante no grupo seleto do art. 1º da Lei nº 8072 não será considerada como hedionda, ainda que o magistrado entenda como extremamente graves as circunstâncias fáticas do caso concreto. Pensamento diverso caracterizaria a indevida analogia in malan partem em sede de Direito Penal.


Como se vê, o Brasil adotou um sistema(legal) que também recebe uma forte crítica por não permitir que o Estado-Juiz analise as peculiaridades do caso concreto e chancele a conduta descrita em lei como hedionda. Em razão disso, o professor e advogado Toron “sugere a criação de uma ´cláusula salvatória´, permitindo que, a depender das circunstâncias do caso concreto, o juiz afastasse a natureza hedionda de um crime constante do rol fixado pelo legislador, mas jamais sua ampliação para a inclusão de crimes que não foram enumerados previamente pelo legislador como crimes hediondos2. Registre-se que essa tese doutrinária ainda não encontra amparo na jurisprudência pátria.